O dia começou por um urgente e
necessário corte de cabelo, pois a mata que tinha na cabeça estava
prestes a ser incluída na paisagem protegida do Parque Natural
Sintra-Cascais. Como que um aperitivo da noite que estava para vir, o
tipo que me cortou o cabelo tinha madeixas e as sobrancelhas mais
arranjadinhas que a secção de frescos de um hipermercado, antes da
abertura de portas. Depois de ver no encerramento das Festas de Lisboa
um Milton Nascimento que dava ares a uma Whoopi Goldberg enfrascada,
estava mentalmente mais apetrechado para a aventura que aí vinha: a
incursão no “Arraial Pride” no Terreiro do Paço.
No passado fim de semana adicionei um
“Epá, no sábado não posso, vou a um arraial gay” à minha lista de
afirmações altamente improváveis. Nem mais, um arraial gay. Por esta
altura alguns dos meus leitores estão a pensar “Nunca me enganaste, seu
panxxxxx do carxxxx!!! Sempre achei muito estranho esses teus três CD
do Michael Bublé”. Os outros limitam-se a bocejar e encolher os ombros.
Acompanhado da restante comitiva (um
casal straight, que seguia à minha frente a fazer o papel dos escudos
do Corpo de Intervenção) lá parti para a Baixa com o espírito de quem
há cinco séculos zarpou para as Descobertas. Não sei se é muito feliz
da minha parte, associar a ideia de “Descobertas” a um evento deste
género, mas tudo bem. Senti um nó apertado na garganta, tal como os
nossos antepassados a caminho do temível Adamastor. Na mente de ambos,
tanto da minha como da dos intrépidos marinheiros, o receio do
desconhecido, o medo angustiante de que “quem vai não volta”. Estava a
sentir na pele um desconforto visceral tão antigo como o ser humano,
que surge perante cobras, aranhas, ou tipos com maneirismos exagerados
que adoram fazer comprinhas.
Quando chegámos, já passava da meia
noite, senti-me tão à vontade como Jean Marie Le Pen num acampamento
cigano. Ou talvez um bocadinho menos. Mas lá fui e tenho de dizer que
fiquei um bocado desiludido. Estava a espera de acção tipo Sodoma vs
Gomorra e sai-me uma espécie de versão hardcore do Festival
Panda. Como em qualquer arraial havia barraquinhas de comes&bebes e
jogos tradicionais, como o clássico de tentar acertar com uma bola numa
vagina gigante. Lá vi algum saltarico de pluma e lantejoula, duas ou
três dominatrixes e um punhado de travecas. Nada de especial, quem
nunca quis experimentar uns saltos altos, que atire a primeira pedra.
Ok, havia alguns matulões da musculação em cuecas. E depois? Fazem o
mesmo no wrestling e aí já é considerado “normal”. O facto de
alguma rapaziada estar quase nua fez-me confusão porque a noite estava
muito fresca e aquela gente estava sujeita a apanhar um resfriado, ou
pior. Outro mito, o da ferrovia: fazem-se mais comboios na linha de
Sintra em dia de greve geral do que numa noite de arraial gay. Quanto à
grande atracção -DJ Nomi Ruiz, supostamente uma super vedeta
transgénero- a música era tão variada e entusiasmante como os pull overs num comício da JSD.
Dois rapazes cheios de calor (e com uma
camada de base que dava para rebocar o CCB) dedicavam-se
entusiasmadamente à promoção do site “Gaydar.pt”. Citando o mesmo, “O
melhor site gay de relacionamento para milhões de homens. Encontros,
buscas, chat… Com mais de 6 milhões de homens em mais de 140 países,
aqui tem tudo o que deseja, quando o deseja”. Ainda assim, com menos
putedo que o facebook.
Inesperadamente, o outro membro masculino da comitiva foi abordado com a entrega de um flyer relativo ao passatempo “A fotografia mais sexy deste verão”,
sendo-lhe sussurrado “Concorre” ao ouvido. Então e eu, que estava mesmo
ali ao lado? Não sou suficientemente bonito para entrar no passatempo,
é? Eu até tenho um Smart!!
Fui a correr atrás do rapaz a pedir-lhe satisfações, mas este fugiu com
medo, o grande mariconço. Nunca pensei, mas ficou uma pedrinha na alma
à conta daquele episódio traumatizante.
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