quarta-feira, julho 04, 2012

Na boca do Adamastor

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O dia começou por um urgente e necessário corte de cabelo, pois a mata que tinha na cabeça estava prestes a ser incluída na paisagem protegida do Parque Natural Sintra-Cascais. Como que um aperitivo da noite que estava para vir, o tipo que me cortou o cabelo tinha madeixas e as sobrancelhas mais arranjadinhas que a secção de frescos de um hipermercado, antes da abertura de portas. Depois de ver no encerramento das Festas de Lisboa um Milton Nascimento que dava ares a uma Whoopi Goldberg enfrascada, estava mentalmente mais apetrechado para a aventura que aí vinha: a incursão no “Arraial Pride” no Terreiro do Paço.



No passado fim de semana adicionei um “Epá, no sábado não posso, vou a um arraial gay” à minha lista de afirmações altamente improváveis. Nem mais, um arraial gay. Por esta altura alguns dos meus leitores estão a pensar “Nunca me enganaste, seu panxxxxx do carxxxx!!! Sempre achei muito estranho esses teus três CD do Michael Bublé”. Os outros limitam-se a bocejar e encolher os ombros.



Acompanhado da restante comitiva (um casal straight, que seguia à minha frente a fazer o papel dos escudos do Corpo de Intervenção) lá parti para a Baixa com o espírito de quem há cinco séculos zarpou para as Descobertas. Não sei se é muito feliz da minha parte, associar a ideia de “Descobertas” a um evento deste género, mas tudo bem. Senti um nó apertado na garganta, tal como os nossos antepassados a caminho do temível Adamastor. Na mente de ambos, tanto da minha como da dos intrépidos marinheiros, o receio do desconhecido, o medo angustiante de que “quem vai não volta”. Estava a sentir na pele um desconforto visceral tão antigo como o ser humano, que surge perante cobras, aranhas, ou tipos com maneirismos exagerados que adoram fazer comprinhas.
Quando chegámos, já passava da meia noite, senti-me tão à vontade como Jean Marie Le Pen num acampamento cigano. Ou talvez um bocadinho menos. Mas lá fui e tenho de dizer que fiquei um bocado  desiludido. Estava a espera de acção tipo Sodoma vs Gomorra e sai-me uma espécie de versão hardcore do Festival Panda. Como em qualquer arraial havia barraquinhas de comes&bebes e jogos tradicionais, como o clássico de tentar acertar com uma bola numa vagina gigante. Lá vi algum saltarico de pluma e lantejoula, duas ou três dominatrixes e um punhado de travecas. Nada de especial, quem nunca quis experimentar uns saltos altos, que atire a primeira pedra. Ok, havia alguns matulões da musculação em cuecas. E depois? Fazem o mesmo no wrestling e aí já é considerado “normal”. O facto de alguma rapaziada estar quase nua fez-me confusão porque a noite estava muito fresca e aquela gente estava sujeita a apanhar um resfriado, ou pior. Outro mito, o da ferrovia: fazem-se mais comboios na linha de Sintra em dia de greve geral do que numa noite de arraial gay. Quanto à grande atracção -DJ Nomi Ruiz, supostamente uma super vedeta transgénero- a música era tão variada e entusiasmante como os pull overs num comício da JSD.


Dois rapazes cheios de calor (e com uma camada de base que dava para rebocar o CCB) dedicavam-se entusiasmadamente à promoção do site “Gaydar.pt”. Citando o mesmo, “O melhor site gay de relacionamento para milhões de homens. Encontros, buscas, chat… Com mais de 6 milhões de homens em mais de 140 países, aqui tem tudo o que deseja, quando o deseja”. Ainda assim, com menos putedo que o facebook.

 

Inesperadamente, o outro membro masculino da comitiva foi abordado com a entrega de um flyer relativo ao passatempo “A fotografia mais sexy deste verão”, sendo-lhe sussurrado “Concorre” ao ouvido. Então e eu, que estava mesmo ali ao lado? Não sou suficientemente bonito para entrar no passatempo, é? Eu até tenho um Smart!!   Fui a correr atrás do rapaz a pedir-lhe satisfações, mas este fugiu com medo, o grande mariconço. Nunca pensei, mas ficou uma pedrinha na alma à conta daquele episódio traumatizante.


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