Tributo a "Xão & Costa"
Tenho recebido amiúde um e-mail mariconço sobre a nostalgia dos anos 80, a falar de uma porrada de picolhices avulsas. O "Marco" que se lixe e vá mas é pastar mais o macaco. Tenha cuidado, porém, porque já diz o povo em toda a sua sabedoria: "A brincar, a brincar, foi o macaco..." Olha, fiz uma rima. Assim sendo, apeteceu-me ripostar com a minha versão dos anos 80. Uma pequena amostra, neste caso.
Há qualquer coisa de muito zen no comércio tradicional. Será o enigmático buço da proprietária? Será o caleidoscópio cambiante das nódoas na bata? Enfim, é uma aventura em cada esquina, isso é que é.
Mas hoje quero que vá pastar o joio do comércio tradicional (e aproveite, leve o Marco e o macaquito atrás), porque esta missiva pretende prestar especificamente homenagem à Meca do pronto-a-vestir dos subúrbios, a Jerusalém dos "jogos de cama", senhoras e senhores: "São&Costa".
Na verdade, muito antes de sonhar sequer com o glamour próprio da Zara do Cascaishopping, aacontece que fui desde tenra idade peregrino do verdadeiro santuário do prêt-a-porter , essa enigmática Compostela dos textêis do Vale do Ave que é a nossa "São&Costa".
Mais do que um simples estabelecimento comercial, "São&Costa" é um estado de espírito. Resulta neste caso concreto que esse tal espírito se lembrou de incorporar uma simpática e patusca quitanda do têxtil, onde a minha santa mãezinha tratava de vestir os seus dois rebentos (quando era para comprar uma "coisa boa") sempre sob a supervisão atenta da dona da loja, a Dona São. Ou melhor,"Dona Xão", já que a xenhôra fala axim.
Estou a reportar-me aos tempos tenebrosos da roupa que não condizia, onde o rôxo dava bem com o verde e uma imaculada meia branca de renda ficava muito bem a qualquer criancinha em idade escolar. E quando não ficava bem, a mãe tratava de lhe explicar que ficava mesmo. Caso ela concordasse, ou não. Estávamos pois na Idade Média do vestuário, chamemos-lhe assim.
Sucede pois que a dona da loja tinha uma espécie de lema que saltava como uma mola, sempre que eu (ou o outro pouco afortunado irmão) experimentávamos uma pecita de roupa:
-"Ai, dona Xão, ichto beste tõe bem..." (a minha mãe também é São)
Invariavelmente, o comentário era este. Para aquela santa senhora, tanto fazia que se tratasse de uma camisa como um par de cuecas "à velha": qualquer trapinho ficava aquelas martirizadas crianças. E enquanto nos submetíamos à prova da indumentária, tratávamos de apreciar com o olhar encantado que é próprio da infância toda aquela profusão de infindáveis galerias de camisas verde/amarelo, calças bordeaux e roupa interior para homem e senhora. Que bonito, pensava eu na minha doce ingenuidade. No entanto, sempre torci o nariz às sinistras embalagens de roupa interior para homem, onde aparecia sempre um marmanjão a coçar os mamilos (ou pior...) numa pose pretensamente sexy, mas que só devia surtir efeito no meio de um chá das 5 na Opus Gay.
Mas o tempo não perdoa e, assim que começou a aparecer um dinheirito, a família foi lentamente votando o espartano estabelecimento ao abandono. A minha mãe ainda deixa escapar um certo saudosismo daquela roupa, mas essa é maleita que acho nem o tempo consegue curar. Aquilo parou no tempo, não renovaram os desenhos, as cores, os cortes. Está condenada a durar até ao fim da anterior geração, porque esta mija-se a rir ao ver a montra.
Mas se for para falar de paragens no tempo, teria que dedicar uma ode inteira aos "Armazéns Gatuxa", a loja onde se veste todo o marciano janota que se preze. Sim, porque aquela roupa não é deste mundo. Não pode.
quinta-feira, janeiro 06, 2005
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Outros relvados
- 31 da Armada
- A maçã de Eva
- Abrupto
- Adufe
- Anarca Constipado
- Aqui também há de tudo
- Arcebispo de Cantuária
- Bikini Laranja
- Blogotinha
- Blogue dos Marretas
- Bomba Inteligente
- Channel Dvorak
- Controversa Maresia
- E Deus criou a Mulher...
- Esborrachei o amor
- Farinha Amparo
- Há vida em Marques
- Inimigo Público
- Inépcia
- João Pereira Coutinho
- Livros da Anita
- Mel com cicuta
- No Agenda
- Nuno Gervásio
- O mal está feito
- Outlet dos Batanetes
- Paul Krugman Blog
- Pipoca
- Princesa Sissi
- PTNetHumor
- Rititi
- The Target
- Um lugar chamado aqui
- Ver com os olhos
- Womenage a trois
Sem comentários:
Enviar um comentário