sexta-feira, setembro 05, 2003

"NÃO NEGUE À PARTIDA UMA CIÊNCIA QUE DESCONHECE..."- parte II
(e última)


Muito boas noites às peixeiras do Mercado do Bolhão e ao restante auditório

Um astrólogo que se preze promete eficácia e resultados. Nada melhor que deslumbrar o cliente com um esplendoroso "mapa astral", cheio de arabescos místicos indecifráveis, sustentando afirmações do género: "A maadame está a ver Marte aqui em cima de Vénus? Isto quer dizer que vai conhecer o homem da sua vida até às 17He44 de 14 de Setembro deste ano. Se tal não vier a acontecer, é porque Úrano teve um affairzito planetário fugaz com essa galdéria e a gente sabe que isso não pode dar boa coisa. Agora, só não percebo este pontinho preto na zona dos Peixes. Mas...está a mover-se..!!!! É um espírito errante...ah, era uma mosca..."

Embrulhados num pacote desejavelmente mais apetecível que o da concorrência e a milhas daquela conversa de amador que são as previsões generalistas, estes profissionais oferecem soluções customizadas, à medida das necessidades do cliente. A vulgar bruxa urbana é agora uma renascida "vidente" ou "astróloga" ou "parapsicóloga" abraçando com entusiasmo os desafios da "aldeia global". Nada chega aos calcanharesao "Instituto CosmoPsicoBiológico do Professor..." não me lembro do nome do cavalheiro, mas sei que só lhe faltava ser engenheiro agrónomo. O resto estava lá.
Torna-se muito interessante analisar com detalhe a linguagem empresarial empregue no ramo, sendo óbvio que o marketing omnipotente lançou a âncora nos aparentemente insuspeitos mares do espírito e afins. Quem quiser comprovar a agressividade comercial do palavreado usado, basta que dedique dois minutos a ver os classificados de um pasquim de referência, como o Correio da Manhã. Aconselho. Um desses dias que levem com os pés, nada melhor que ver a fatiota do digníssimo Professor Karamba e a sua pose de "Buda-da-Praça-de-Espanha". Em negro.

Mas o "monstro de ébano" do ramo, o Professor Bambo, tem até um programa de rádio. Ah, pois!! O homem é mais popular entre o seu auditório que o Ricky Martin na pista de dança de uma discoteca gay... A fauna lusitana é muito diversificada. Nós por cá temos o abichanado Paulo Cardoso (aquele que é casado com a cantora lírica e têm ambos um anúncio publicitário residente no pasquim supracitado) a sempre colunável Maya (que dá uma perninha no "SIC 10 Horas"), a enjoadita Cristina Candeias (de serviço na "Praça da Alegria" do canal 1) e milhentos outros cromos que já fizeram história. Entre eles, o "firme e hirto" do Professor Herrero, já mais clássico que aquela cena do piano no "Casablanca".
Bem feitas as contas, dava para encher uma edição da Caras só com estes cromos da astrologia, apesar de que alguns -infelizmente- terem menos aptidão para a fotografia que o Marques Mendes para jogar a poste numa equipa de basket...

Certo é que muita cara conhecida não dispensa os serviços destes "Marcelo-Rebelo-de-Sousa-da-leitura-do-búzio-e-derivados", consultando-os aquando da tomada de decisões fulcrais, como a conjuntura cosmológica favorável à tosquia do seu caniche, por exemplo.
E não há classe ou sector da sociedade que esteja alheado desta realidade: chegam de vez em quando a lume umas histórias muito mal contadas sobre bruxos que fazem trabalhinhos para os clubes, galinhas pretas nos balneários, etc. Não chegavam já os frangos do Vitor Baía...(1)

Na sombra dos sorridentes e colunáveis astrólogos das capas de revista, uma outra classe luta para sobreviver à concorrência desleal destes "hipermercados do oculto": a bruxa do "comércio local" continua inelutavelmente a recorrer aos sapos dissecados (2) na preparação das suas poções de amarração do bem-amado (3), anti-calosidades dos pés ou mau hálito congénito.

Como dizia o Herman: "O signo Imperial vai muito bem com o ascendente Tremoços". O resto, não sei. Não me interessa quais são astrólogos, videntes, bruxos, magos ou marceneiros. De qualquer forma, eu também não sou ninguém para avançar com rebuscadas teorias explicativas destes fenómenos gerados pela solidão sufocante das sociedades urbanas, da necessidade de um ombro amigo, da tentativa de dar algum sentido à vida vazia das sociedades de consumo, blá, blá, blá.
São coisas tão antigas como Nós mesmos, inseguranças e medos que nos acompanham desde o dia em que descemos das árvores, com as partes baixas a chocalhar sob o Sol inclemente. Os especialistas que se dediquem a essas coisas, pois eu ainda nem sequer acabei o curso e já ia sendo mais que tempo, por acaso. Vai na volta, pregaram-me algum mau-olhado académico, ou coisa que o valha. Acho que vou mas é fazer uma chamadinha para o consultório do Professor Faty. Mal não faz...


(1) Para as senhoras que eventualmente leiam isto, o Vitor Baía é um jogador de futebol. Um daqueles que fica mais atrás, perto daquela caixinha com rede à volta. Ah, e pode agarrar a bola à mão, sem que o senhor do apito ralhe com ele por causa disso.

(2) Sob veemente protesto dos batráquios envolvidos

(3) Um best-seller do bruxedo






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Baú