segunda-feira, setembro 08, 2003

O BIBELOT, ESSE FLAGELO DECORATIVO - parte I

Boas noites para os meus leitores em Calcutá e um enorme bem-haja aos demais convivas da Barraquinha das Farturas


Hoje vou abrir as hostilidades com uma viagem no tempo. O cenário é o seguinte: acabou de regressar à sua "Caverna, doce caverna" um Homo Erectus, Habilis ou outra coisa qualquer. Enfim, um qualquer primo afastado do macaco Hadrianno, exceptuando o Tony Ramos. Absolutamente extenuado, o nosso hominídeo apresenta um ar mais fatigado que o padre Vitor Melícias depois de cortar a meta das Quinhentas Novenas de Indianápolis. (1) Num último esforço, arremessa para o chão da caverna a gigantesca presa que acabara de caçar. Um diálogo surreal segue dentro de momentos:

"-Seu, seu...selvagem (começa a chorar)!!! Achas que é aí que vais deixar isso?!! No chão da sala!!?? Bruto!! A minha mãe bem me disse para casar com o vizinho da tribo do lado. Pode não ter essa história do polegar oponível, mas pelo menos é arrumadinho e tem a tanga de pele de leopardo sempre num brinquinho. Já tu...Qualquer dia, vais ver nascer-te na fronte um par de cornos maior que o desse auroque..."

O pobre e confuso caçador tenta (em vão, naturalmente) discutir racionalmente com a mulher. A tarefa já de si bastante complicada torna-se substancialmente mais espinhosa quando estamos perante um indivíduo do sexo feminino dotado de uma cubicagem crâneana diminuta...Pois é, pois é. Finda a refeição, e chupadinho até ao tutano o pobre herbívoro, a discussão recomeça:

"-Mas...ó amorzinho...onde é que eu meto isto?!"
"OLHA, METE ESSE ESQUELETO NO C... Espera lá...com um toquezinho aqui e um arranjinho ali...será...? Quem sabe...Humm...Já sei, vai ficar ali ao pé do sofá, para dar um toque mais acolhedor à sala. Dou-lhe uma traulitada bem dada e fica logo com outro aspecto!! Sim!!! Isto do toque feminino é outra coisa, sem dúvida."
Meus senhores e minhas senhoras, acabara de ser criada a primeira escultura rupestre. Uma singela marretada para esta senhora, um gigantesco salto para a Arte. Calma aí, não vamos já a correr regozijar-nos com esta conquista estética, façam favor de aguentar aí os cavalinhos. Na verdade, das mãos desta senhora saíra também o primeiro exemplar de um temido flagelo que iria inexoravelmente fazer-nos companhia, geração após geração, nidificando nos móveis de uma inocente e incauta sala de estar...Minhas senhoras e meus senhores: o bibelot. A tragédia, o drama e o horror seguem dentro de momentos...

O Bibelot (latu sensu) é todo aquele objecto que não tem qualquer utilidade que não seja a mera função decorativa. Até aqui, ainda vá que não vá. O problema é que o povo português tem um magnetismo irresistível por bonequinhas feiosas, caixinhas pirosas e outros tantos emplastros com os quais entope as faixas de rodagem dos móveis da sua habitação. As loiras voluptuosas não são para aqui chamadas, pois a malta é bem capaz de idealizar uma ou outra utilidade bem mais agradável que a mera decoração (no banco do pendura) de carros desportivos...

A "Bibelotite" é um tipo de doença decorativa (e degenerativa) que se dissemina mais rapidamente que um segredo bem guardado num escritório cheio de mulheres... O agente de propagação mais conhecido é a Loja dos Trezentos: trata-se de uma espécie de caixa de Petri da cultura do vírus do bibelot, um artefacto tão comum nas nossas casas como o "bigodinho-à-Clark-Gable" nos homens iraquianos. Mas há outras entidades incubadoras deste pesadelo dos adolescentes que têm que limpar o pó da casa: a sapateira e a camilha. Regra geral, estes altares do culto da Deusa da Inutilidade estão mais carregados de fotografias que um «ferry» filipino em hora de ponta. Mas se sobra um ínfimo espaço que não seja eventualmente abarbatado por todas aquelas caras sorridentes, o temido vírus tende a agarrar-se que nem lapa a esse cubículo minúsculo. Com um olhar desafiador, sussurra um "Em breve, seremos dezenas, centenas, milhares!!!" "AH!! AH!! AH!!" (riso de bibelot lunático, filiado no Partido Popular (2)


(1) Prova a contar para os World Prayer Championships, ou, para quem não sabe ler estrangeiro, os Campeonatos Mundiais da Oração
(2) Esta piada foi muito boa


Um beijinho para a Inês "M.T"

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Baú